segunda-feira, 27 de março de 2017

navegações I

às vezes ele se debruçava sobre mim
sentia o frio por dentro
o calor de fora
seu corpo no meu
no meio do breu
meu mundo e o seu
eu era feliz
a pele roçava
tudo ouriçava
ela vinha mansinha
fazia a festa em mim
me estremecia inteiro na espinha
o calafrio bom, o tesão de torcer
tudo acordava, no meio da escuridão que pairava
brilhavam seus olhos nos meus
na noite do meu bem, sorrateira, eu gatuno
minhas mãos procuravam e antes que pudesse ele mesmo encontrava
onde deveria com sede entrar
mas me leitava com mel e rebentos
tornando fácil o seu caminhar
eu sentia bem fundo que ele me descobria
me revelava e se cobria dos pêlos eretos de minha pele ouriçada
querendo entrar mais em mim
assim, numa cadência covalescente
feito barco perdido na enchente desaguando no cais
ora se perdia em mares revoltos
ora velejava céu aberto em meio ao atlântico
eu mergulhado nele, ele totalmente molhado dentro de mim
sobre nós batia o bom cansaço
dormíamos, não sei quem em que braços
mas estávamos dados, atados, linha, anzol
e assim noites remantes remanesciam
e quanto mais se podia cobrir os seus olhos no meu horizonte
mais mergulhava de si dentro de mim
e então se perdia eu nele e ele cada vez mais num adentro sem fim
perdidos, vagueantes, sob águas caudalosas em zonas abissais
onde ele sentia que podia
sem medo mergulhava onde nunca mais achava seu rumo, ter paz
ali ficaria pra sempre marinheiro
ser doce, perdido e combalido
suspirando e gozando no peito de [seu] amor





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